Polícia conclui que tumultos com 9 mortes em Paraisópolis foi iniciado por PMs
A Polícia Civil de São Paulo concluiu que a morte das nove pessoas durante um baile funk na favela de Paraisópolis, em dezembro de 2019, ocorreu em decorrência de um tumulto provocado pela ação de um grupo de policiais militares.
A conclusão está no relatório de indiciamento assinado pelo delegado do DHPP (departamento de homicídios) Manoel Fernandes Soares, ao qual a reportagem teve acesso, e afasta a tese de legítima defesa sustentada pelos PMs e aceita pela corregedoria da corporação.
Diante do exposto até aqui, verifica-se que, objetivamente, a atuação do pelotão da 1º Companhia e Força Tática M-16011, em ambos os entroncamentos da via em que se realizada o baile da DZ7, deram causa à correria de multidão de pessoas para a viela do Louro e à subsequente morte das vítimas”, diz.
Ainda na avaliação de Soares contida no documento, embora tenha dado causa às mortes, os policiais militares não tiveram a intenção de matar. Por isso, o delegado indiciou nove policiais militares por homicídio culposo. Ao todo, participaram da ação 31 PMs.
Segundo a versão dos policiais militares, mantida até agora, houve uma perseguição a uma dupla de criminosos em uma moto que, ao perceber um comboio da PM, passou a atirar contra os agentes.
Ainda de acordo com essa versão, os criminosos fugiram em direção do baile funk, que reunia cerca de 5.000 pessoas naquela madrugada, e se embrenharam pela multidão atirando, o que provocou o corre-corre e o pisoteamento de vítimas, que tentavam deixar o local por um beco apertado.
Também disseram que foram atacados com paus e pedras pelos frequentadores do baile, sendo necessário o acionamento do apoio.
Na sequência, atendendo ao suposto pedido de socorro, as viaturas da Força Tática foram até o local para o resgate dos primeiros policiais. Segundo a mesma versão, também foram atacadas com pedaços de pau, pedras e garrafas, sendo necessário o uso de força não letal (bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e bala de borracha).
Minutos depois dessa intervenção, os policiais teriam sido informados de que havia uma série de feridos em um beco próximo. Ao todo, 9 pessoas morreram e 12 ficaram feridas.
Os mortos eram jovens de 14 a 23 anos, de outros bairros periféricos de São Paulo, que tinham ido ao baile da comunidade. Quatro eram adolescentes; dos nove, uma era mulher.
O inquérito conduzido pela Corregedoria da Polícia Militar disse ter havido “nexo de causalidade” entre a ação dos policiais e as mortes, mas afirmou que os policiais agiram “em legítima defesa própria e de terceiros”.
Por configurar uma excludente de ilicitude, o oficial responsável pelo IPM (inquérito policial militar) pediu o arquivamento ao Tribunal de Justiça Militar. O Ministério Público solicitou, porém, novas diligências que, segundo consta, ainda estão em andamento.
De acordo com o DHPP, porém, a análise das imagens captadas por câmera existente na rua Ernest Renan demonstra que a equipe da Força Tática (M-16011) ingressou em alta velocidade e, até sua chegada, não havia tumulto no local.
“Dessa forma, a filmagem infirma (invalida, enfraquece) a versão dos policiais, os quais alegaram que, ao chegarem ao local, foram surpreendidos por uma multidão em tumulto, com pessoas correndo contra a viatura”, diz trecho do documento.
A investigação do DHPP também aponta que a versão de socorro fica enfraquecida porque os próprios policiais da moto (Rocam) informaram, após a perseguição, que retornavam para a avenida e estavam “sem novidades” -o que significa que estavam fora de perigo e sem necessidade de resgate.
Essa tese tinha sido apontada em reportagem pelo jornal Folha de S.Paulo ainda em 2019.
Integrantes da Promotoria responsáveis pelo caso pela Justiça comum, segundo a reportagem apurou, não concordam com o entendimento do delegado do DHPP (departamento de homicídios), que indiciou os policiais por homicídio culposo -quando não há a intenção de matar.
Para o delegado, conforme o despacho de indiciamento, as mortes no baile funk só ocorreram porque os policiais militares “não observaram o necessário cuidado objetivo que lhes era exigível, sendo previsível, no contexto da ação, a ocorrência de resultado letal”.
O grupo de promotores está analisando o inquérito, mas eles devem divergir do entendimento do delegado e denunciar os policiais por homicídio doloso, por dolo eventual. Isso justamente porque era previsível o resultado letal e os policiais assumiram o risco de matar ao agir em meio a um baile funk.
Um juiz analisará a denúncia e, caso ele entenda que se trata de crime culposo (tese do delegado), o processo será enviado para a Justiça Militar. Além de livrar os policiais de um eventual júri popular, isso tende a significar também a absolvição de todos os PMs envolvidos.
Pela legislação brasileira, homicídios dolosos praticados por PMs são julgados pela Justiça comum. Já no caso de homicídios culposos, o julgamento cabe somente ao TJM (Tribunal de Justiça Militar).
O processo de Paraisópolis no TJM está com o juiz militar Ronaldo João Roth, que já manifestou internamente que deve seguir o entendimento da Corregedoria da PM, de que houve legítima defesa, e arquivar o processo.
advogado dos policiais envolvidos na ocorrência, Fernando Capano, disse ter uma interpretação diferente sobre a conclusão do inquérito.
“A defesa de parte dos policiais envolvidos na ocorrência de Paraisópolis acredita que, do relatório produzido pelo delegado no âmbito do DHPP, não deflui conclusão acerca da responsabilidade dos policiais na correria que acabou por ocasionar a tragédia naquela localidade”, diz nota enviada ao jornal.
“O relatório e o próprio inquérito devem ser lidos na íntegra e no cotejo com todas as provas já produzidas, inclusive no inquérito militar”, continua.
Por fim, o defensor afirma acreditar que “não haverá lastro para denunciar os policiais em qualquer modalidade do tipo penal homicídio, sendo certo que trabalhará pela absolvição de todos os policiais, propiciando buscar a responsabilidade dos verdadeiros causadores da tragédia”. Bahia Notícias.